segunda-feira, 26 de setembro de 2011

vento cigano


Aportei meu navio, em um país desconhecido, se foram meus mapas, e meus tripulantes, com as tempestades do mar, avistei uma fogueira, havia música, caminhei na solidão, escura, o fogo era meu norte, cheguei, não falavam minha língua, no meio da festa, sentei ao lado das chamas, conheci uma cigana, que como o fogo rodava, e rodava, e voltava, dançava com tristeza, dançava com alegria, e ia, vestido rubro em cores, rosa aos negros cabelos, violinos guiavam seus passos, não a deixavam parar, seus tecidos sopravam, perfume em meu rosto, ela sorria, e rodava, o fogo, vezes crescente, vezes minguante, como a lua, refletida em sua tenda, ainda esticada e nova, sentia suas palmas, contra-tempo dos violinos, seus cabelos sopravam, perfume em meu corpo, com sua longa saia nas mãos, total controle sobre meus olhos, hipnose consentida, e dançava, e rodava, e ia, e voltava, criava ondas no ar, luzia fogo em seus vestidos, fogo, soprado em vento, curvo, sem destino, nascia ali, o vento, que soprava em mim, com destino incerto, o nascer do vento, diante de mim, saía quente, eu vi, eu vi, o vento nascer, da barra flamejante da saia, que resvalava em meus lábios, e ia embora, que tocava meu corpo, e ia embora, violino, palmas, gritos, guizos, sentia seus passos, seu sorriso, seus negros cabelos, sua pele, morena, e seus olhos sorriam para mim. Eu me tornei sua saia, naquela noite, ela me tinha, entre os dedos, sob controle, voei, ao som de guizos, vez solto, ao som de palmas, vez preso, ao som do vento, entre os dedos, ela me tinha, de um lado a outro, de seu corpo, de seu fogo, por toda a noite.

Acordei ainda embriagado, sob a luz refulgente do sol, recobrando os sentidos, um a um, aos poucos, em ritmo de palmas ciganas, que ainda ressoavam em meus ouvidos, que não ouviam mais música. Era somente eu e o som das ondas. Também não havia mais a tenda em que dormi, apenas o cheiro das brasas, sem a pele, morena, cigana, daquela noite, só me restou o gosto amargo, de uma rosa deixada, ao meu lado, uma carta de despedida, escrita em pétalas.

Naquela manhã não havia vento.

Peguei a rosa nas mãos e antes de içar as velas de meu navio, a despetalei. Levemente cada pétala bailava no ar, em um vai e vem, cigano, sem direção, contrastando seu vermelho ao alvo encontro da areia. Não havia mais rosa, apenas rosa em pedaços, feito um desenho, no chão, como um mapa.

Antes que um sopro forte, de quentes ares, levasse consigo o desenho das pétalas, o copiei. Agora o desenho era meu mapa, o chamarei de Rosa dos Ventos e com ele percorrerei o mar. Darei a volta completa ao horizonte até encontrar o perfume e o calor do vento que nasce das chamas daquela saia cigana.

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Fotografia de: http://filhasdovento.wordpress.com/2012/07/18/por-que-filhas-do-vento/